Como Uma Onda No Mar

By Irving Alves, published by Junior Magazine May 2011
NA NOVELA, NO CINEMA E NA INTERNET, É A HORA DO SURFISTA GAY MOSTRAR SUA CARA.

É fato que surfistas representam um dos maiores fetiches entre gays. Um dos exemplos que confirmam isso foi o sucesso que o filme “De Repente Califórnia (Shelter)” fez em todo o mundo, Brasil inclusive. Protagonizado por gays amantes das ondas, o longa norte- americano venceu a escolha do público em edição recente do Festival Mix Brasil de Cinema da Diversidade Sexual. Outro exemplo vem da novela “Ti Ti Ti”, com o personagem surfista e gay Thales que acaba convencendo seu namorado, Julinho (André Arteche) a se mudar para Saquarema e viver de mar e prancha. A criação, em 2010, de uma rede social voltada para surfistas que preferem meninos também explicita que eles não são poucos. O GaySurfers.net já conta com mais de três mil membros, sendo cerca de 10% desse total formado por brasileiros. A JUNIOR conversou com rapazes que não se separam de suas pranchas por nada e que não têm medo de se mostrar são em um meio onde sair do armário ainda é coisa rara.

THOMAS C., 33, CRIADOR DO SITE GAYSURFERS.NET Nasci na França, mas hoje moro em Sydney, Austrália. Me divido entre o surfe e meu trabalho como desenvolvedor de websites. Pego onda todos os dias e viajo bastante. Já estive na Califórnia e Havaí para conhecer outros surfistas gays e planejar eventos para o segmento. Nunca tive nenhum relacionamento sexual ou amoroso com outro surfista, pelo contrário. Sou casado com um rapaz que não surfa. Algumas pessoas consideram o meio do surfe como homofóbico, mas acho que não é bem assim. Na verdade, acredito que a comunidade de surfistas simplesmente ignora o fato de que existem homossexuais que praticam o esporte. Revistas e marcas de surfe criaram, lá pelos anos 70, um estereótipo que até hoje rende muito dinheiro. Eles não estão interessados em mostrar a diversidade que há entre os praticantes. No entanto, essa diversidade é real. Como vem sendo provado com o GaySufers.net, há muitos surfistas gays mundo afora. Hoje em dia, quando você vai surfar em alguma praia, sempre encontra gente de todas as etnias, nacionalidades, classe social e orientação sexual.
Tenho vários amigos do surfe que são héteros e que sabem que sou gay. É comum eles não ligarem para a questão, contanto que você não fique esfregando isso na cara deles o tempo todo. Somos todos muito apaixonados pelo esporte, e é isso que nos conecta. É verdade também que existem muitos surfistas gays que preferem continuar no armário. Não é tão fácil para todo mundo ser assumido no ambiente do surfe. Os praticantes costumam ir aos mesmos lugares, encontrar sempre as mesmas pessoas. E como surfistas, a última coisa que queremos é ser rejeitados por nossas comunidades locais. Isso acaba fazendo com que muitos caras prefiram viver a própria sexualidade às escondidas.
É fato que surfistas representam um fetiche para a comunidade gay. E eu entendo o porquê. Quem pega onda geralmente está em forma, bronzeado e representa a liberdade típica de quem monta em cima do poder do oceano. Surfistas encarnam tudo aquilo que o homem quer conseguir ser: cru e selvagem. Entre surfistas não há razão para que você não seja exatamente aquilo que quer ser.
E durante anos procurei sites onde gays surfistas pudessem se conhecer e trocar ideias. Busquei durante anos e nunca encontrei. Pensava: onde os gays que surfam estão se escondendo? E por que eles se escondem? Então, em 2010, pegando uma onda de otimismo e ousadia, decidi criar um espaço por conta própria. O GaySurfers é interativo, fácil de navegar e tem me surpreendido pela rapidez com que cresce. Após um ano, registramos 3 mil surfistas de 82 países. O site tem também o propósito de promover a visibilidade deste segmento e mostrar que compartilhamos a mesma paixão pelo surfe e que representamos parte da cultura surfer em todo o mundo.
Temos muitos membros brasileiros e, para manter o site crescendo, estamos criando cinco novos grupos no Brasil: São Paulo, Florianópolis, Rio de Janeiro, Ceará e Bahia.

WILLIMAX COSTA, 21, RIO DE JANEIRO Tenho parentes que já surfavam antes de mim, então costumo dizer que minha família é praticamente toda do surfe. Apesar disso, a certeza de que sou gay veio antes de eu começar a pegar onda. Tenho muitos amigos que também praticam, e eu simplesmente adoro o esporte. De maneira geral, o surfista homossexual é muito na dele, não costuma fazer alarde com relação à própria orientação sexual. São poucos os surfistas gays que se sentem à vontade para se assumir. O resultado disso é muita gente incubada mesmo. Certamente conheço outros caras que pegam onda e que também curtem caras, mas como não se assumem eu nem conseguiria identificá-los.
Apesar disso conheço alguns moleques que são assumidos, assim como eu. Inclusive cheguei a namorar um deles, depois de uma noite de sexo em plena pedra do Arpoador, onde geralmente eu pego onda. Tínhamos surfado a noite toda, já eram três horas da manhã. Restamos eu e mais um grupo de três. Depois de um tempo dois deles foram embora e acabou rolando. Foi bem bom. Muita gente diz que paquera e pegação entre surfistas é algo comum. E é claro que rola. Em compensação tem muitos caras que são homofóbicos. Mas preciso dizer que eu pessoalmente nunca enfrentei nenhuma situação de preconceito no meio do surfe, até porque eu sou muito na minha.
Tenho vários amigos também surfistas, porém héteros. Alguns sabem sobre minha homossexualidade, mas a relação é até tranquila. Mesmo porque sei que, para ser respeitado, devo respeitar antes. Nunca passei dos limites com nenhum deles e nem pretendo. Além disso, eu não frequento só lugares gays e nem apenas locais frequentados pela galera do surfe. Gosto dos dois. Com relação à música, por exemplo, eu sou bem eclético. Ouço de tudo um pouco. E curto muito ir a barzinhos. Sou muito baladeiro, basta o lugar ter um som bom que eu tô dentro.
Sei que fora do surfe, a prancha, o bermudão e o corpo molhado atraem muita atenção. Preciso admitir que alguns caras já se interessaram por mim só depois de saberem que eu pego onda. Eles dizem que sentem muito tesão em um surfista.

MARCO ANTÔNIO TEODORO, 33, PARANÁ Meus pais moram em Guaratuba, litoral do Paraná. Daí minha ligação com o surfe. Minhas pranchas ficam todas na casa deles, onde tenho um quarto cheio de colchões e beliches. É lá onde recebo meus brothers que descem para pegar onda comigo. No meu apartamento fica apenas minha prancha mais nova, a quem chamo de “minha esposa”. Morro de ciúmes dela. Sou super resolvido sexualmente e todos os meus amigos sabem disso, inclusive os que surfam comigo. Apesar disso, não conheço nenhum outro surfista da região que também curta homens. Até já fiquei com alguns, mas em outras cidades como Florianópolis e Cabo Frio.
Um deles eu conheci em uma balada chamada Angel, em Cabo Frio. Foi em um réveillon. Curtimos a noite juntos, transamos e depois cada um tomou seu rumo, sem deixar nenhum tipo de contato. Isso aconteceu outras vezes, sempre a curtição pela curtição, sem que a coisa evolua para algo mais sério. Na realidade surfistas gays não procuram relacionamento firme. Não sei se é por medo do preconceito. Na maioria das vezes os caras são muito jovens e ainda não se resolveram sexualmente. Se bem que eu também não busco namoro firme. Mas claro, se o Kelly Slater quiser me namorar, aceito numa boa.
Me considero um cara único. No mundo gay não encontro gente que, como eu, pega onda e gosta de reggae ao mesmo tempo em que ouve músicas de Cher, Madonna e Lady Gaga. Pode até parecer contraditório para alguns, mas minha cabeceira abriga ao mesmo tempo as biografias de Bob Marley e Ricky Martin. De vez em quando vou a Paradas e sempre ouço a pergunta: “É sério que você é gay?”. Acho muito legal quebrar esse estereótipo, porque se convencionou que quem faz o estilo surfe não pode ser homossexual. Sinto que acabo chocando algumas pessoas, porque além de surfista sou motorista de ônibus, que é outro meio extremamente homofóbico.
Na hora de me divertir prefiro os barzinhos onde rolam uns shows de reggae. Até conheço os lugares gays, mas prefiro mesmo a “reggueira”. Frequento muito os picos de surfe aqui no Sul. Estou até me preparando para uma viagem a Florianópolis para pegar umas ondas e, quem sabe, conhecer alguém pelo caminho.

LUCAS MESSENDER SILVA, 18, RIO DE JANEIRO Apesar da idade, já tenho vários anos de surfe. Comecei aos 12. Na minha vida, a certeza de que sou gay e a paixão pelo esporte vieram praticamente ao mesmo tempo. Eu via os garotos da minha idade pegando onda, todos tão bonitos, eu queria estar ali perto deles, ser um deles. Fui atraído para o surfe meio que por instinto.
Tenho um perfil no GaySurfers, para fazer amigos. Costumo dizer que não quero relacionamento sério agora, até porque estou bem focado nos estudos. Sem falar que já me liguei muito em namoro, não vou mentir. Só que acabei perdendo meu tempo. Apesar disso, não vou recuar se por acaso aparecer alguém interessante. Nunca digo que sou surfista quando acabo de conhecer alguém novo. Só quando as coisas vão ficando mais sérias é que eles ficam sabendo. Como surfistas costumam andar em bando e estão sempre com roupas molhadas e cheias de areia, é normal um trocar de roupa na frente de outro. E, mesmo quando não acontece nada de concreto, percebe-se uma tensão homoerótica no ar. Isso não acontece sempre, mas muitas vezes rola uma troca de olhares bem nesse momento.
Dizem que o meio do surfe é preconceituoso com relação aos homossexuais, mas eu mesmo já fiquei com outros surfistas. Amigos meus até, que ainda hoje pegam onda comigo. Porém, eles preferem manter tudo às escondidas. Já enfrentei situações de preconceito por parte de gente do surfe. Rolou uma ou duas vezes. A minha sorte é que meus amigos estão sempre comigo e, mesmo sendo heterossexuais, acabam me defendendo.
Gosto de usar roupas de marcas voltadas para surfistas. A Quicksilver é uma das minha prediletas. Acho legal sair à noite para me divertir, mas sou capaz de ficar em casa para acordar cedo e pegar onda no dia seguinte. Não tem jeito, se a rapaziada vai em massa, eu também vou.

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